sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Abdicação (Fernando Pessoa)

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me de teu filho.
                                     Eu sou um rei
Que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos cançados.
[...]

Ah, quanta vez, na hora suave
Em que me esqueço,
Vejo passar um vôo de ave
E me entristeço!

Por que é ligeiro, leve, certo
No ar de amavio?
Por que vai sob o céu aberto
Sem desvio?

Por que ter asas simboliza
A liberdade
Que  a vida nega e a alma precisa?
Sei que me invade

Um horror de me ter que cobre
Como uma cheia
Meu coração, e entorna sobre
Minh'alma alheia

Um desejo não de ser ave,
Mas de poder
Ter não sei que do vôo suave
Dentro de meu ser.